AGÊNCIAS REGULADORAS: A «METAMORFOSE» DO ESTADO E DA DEMOCRACIA
(Uma
Reflexão de Direito Constitucional e Comparado)
Joaquim B. Barbosa Gomes
(Recorte dos pontos
principais, na visão de Ana Claudia Custódio)
No Direito
brasileiro, agência reguladora é uma autarquia
especial, criada por lei, também com estrutura colegiada, com a incumbência de
normatizar, disciplinar e fiscalizar a prestação, por agentes econômicos
públicos e privados, de certos bens e serviços de acentuado interesse público,
inseridos no campo da atividade econômica que o Poder Legislativo entendeu por
bem destacar e entregar à regulamentação autônoma e especializada de uma entidade
administrativa relativamente independente da Administração Central.
Por serem autarquias, devem ser
criadas por lei, como determina o art. 37, XIX da Constituição Federal. Em
razão do princípio da simetria, sua extinção também só pode se dar através de
lei específica e por motivos de interesse público.
Não se deve confundir com Agência Executiva que é uma Autarquia ou Fundação
Pública dotada de regime especial graças ao qual ela passa a ter maior autonomia
de gestão do que a normalmente atribuída às autarquias e fundações públicas
comuns. Trata-se em realidade de uma qualificação jurídica que pode ser dada a
uma autarquia ou fundação, ampliando-lhe a autonomia gerencial, orçamentária e
financeira, devendo a entidade firmar contrato de gestão com a administração
central, no qual se compromete a realizar as metas de desempenho que lhe são
atribuídas.
Importante!
Já a Agência Reguladora («Independent Regulatory Commission», na
terminologia mais usual do direito dos EUA) é uma entidade administrativa
autônoma e altamente descentralizada, com
estrutura colegiada, sendo os seus
membros nomeados para cumprir um mandato
fixo do qual eles só podem ser
exonerados em caso de deslize administrativo ou falta grave («for cause shown»). A duração dos mandatos varia de agência para agência e não
raro é fixada em função do número de membros do colegiado, de sorte que
os membros de uma agência composta de cinco Diretores («Commissioners») terão mandatos de cinco anos escalonados de tal
maneira que haja uma vacância a cada ano. A nomeação, inclusive a do presidente do
colegiado («Chairman»), cabe ao Chefe do Executivo com prévia aprovação do Senado.
Natureza
Jurídica das Agências Reguladoras – No plano jurídico formal, as agências
brasileiras nada mais são, pois, do que as velhas e conhecidas autarquias,
pessoas jurídicas de direito público, agora com nova roupagem e dotadas de um
grau maior de independência em relação ao poder central, daí a qualificação de
«especial» que lhes é conferida pela lei[1].
Segundo a Professora Maria Sylvia Di
Pietro, as agências estão sendo criadas como autarquias de regime especial
porque “sendo autarquias, sujeitam-se às normas constitucionais que disciplinam
esse tipo de entidade; o regime especial vem definido nas respectivas leis
instituidoras, dizendo respeito, em regra, à maior autonomia em relação à
Administração Direta; à estabilidade de seus dirigentes, garantida pelo
exercício de mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses
expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração ad nutum; ao caráter final de suas
decisões, que não são passíveis de apreciação por outros órgãos ou entidades da
Administração Pública.”
Gênese
das Agências Reguladoras
(...)
No Brasil, que também
pertence a essa última família jurídica, embora com cada vez mais numerosos
elementos do sistema da common law,
elas aportam na segunda metade dos anos 90, no bojo do processo de
desengajamento do Estado da prestação direta de vários serviços públicos.
Com efeito, no seu
Título VII, a Constituição de 1988
dispõe sobre a ordem Econômica e
Financeira, disciplinando especialmente
o papel do Estado como agente
normativo e regulador e como executor
subsidiário de atividades econômicas. Dispõe ainda sobre a possibilidade de
transferência à iniciativa privada da prestação de alguns serviços que durante muito tempo estiveram sob
controle estatal. No plano infraconstitucional, a Lei 8987/95, regulamentando o
mencionado artigo 175 da CF/88, trouxe novas regras sobre o regime de
concessões e permissões de serviços públicos. Com fundamento na nova ordem
constitucional e legal, foram editadas as leis 9427/96, 9472/97 e 9478/97 que
criaram respectivamente a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) a
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) e Agência Nacional do Petróleo
(ANP), às quais foi transferida a atribuição regulatória dos setores de energia elétrica, das
telecomunicações e do petróleo[2].
Posteriormente, a lei 9782/99 criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
prenunciando, assim, a exemplo do que ocorreu nos EUA e em outros países, um
movimento de expansão dessas entidades, que
passam a ter poder de intervenção nos mais diversos setores em que se
faz necessária a presença reguladora e disciplinadora do Estado, e não apenas
nas áreas de atividade econômica outrora monopolizadas pelo poder público.
As agências podem ser criadas tanto em âmbito federal quanto na esfera
estadual, com o objetivo de regular a prestação por operadores privados de
serviços públicos delegados à iniciativa privada. A reprodução dessa tendência
regulatória tem seguido dois modelos: de
um lado, o “modelo setorial
especializado”, em que são
criadas diversas agências, uma para cada setor (como no caso das agências
federais supramencionadas); e o “modelo multissetorial”, em que se cria apenas
uma agência incumbida da regulação de todos os serviços públicos prestados por
particulares, como é o caso do Estado do Rio de Janeiro, onde foi criada a
ASEP-RJ (Agência Reguladora de Serviços Públicos), responsável pela
fiscalização e regulação de todos os serviços públicos objeto de concessão ou
permissão pelo Estado
Estrutura organizacional, atribuições e modo de funcionamento das
agências
Em linhas gerais, pode-se
dizer que, no aspecto organizacional, o legislador brasileiro foi bastante
tímido ao estabelecer o figurino institucional e o modus operandi das nossas
agências reguladoras. Com efeito, constata-se que pouco se ousou nesse
campo quando se confrontam os novos entes com os seus similares do direito
comparado.
As leis que criaram as
primeiras agências reguladoras grosso
modo estabeleceram que as agências:
·
são dirigidas
por um Diretor-Geral e por outros tantos
diretores, os quais atuarão sob regime de colegiado;
·
tem um Ouvidor, a cargo de quem fica a incumbência de
zelar pela qualidade do serviço prestado pelas empresas privadas bem como de
solucionar eventuais problemas e reclamações dos consumidores e usuários do
serviço;
·
o.Diretor-Geral é nomeado pelo Presidente da
República, após aprovação da escolha pelo Senado Federal, com apoio no
permissivo constitucional do art. 52,
III, “f”, da Constituição de 1988 e das leis de criação das agências.
A «independência» das Agências – A idéia
fundamental que norteou o surgimento das agências reguladoras foi a de se criar
um ente administrativo técnico,
altamente especializado e sobretudo imperméavel às injunções e oscilações
típicas do processo político, as quais, como se sabe, influenciam sobremaneira
as decisões dos órgãos situados na
cadeia hierárquica da Administração. Para tanto, concebeu-se um tipo de
entidade que, embora mantendo algum tipo de vínculo com a Administração
Central, tem em relação a ela um acentuado grau de autonomia. Resta saber,
precisamente, em que consiste essa autonomia. O Prof. Diogo de Figueiredo
Moreira Neto aponta, com a acuidade de sempre, quatro aspectos fundamentais
dessa autonomia, sem os quais “qualquer ente regulador que se institua não
passará de uma repartição a mais na estrutura hierárquica do Poder Executivo,
pois estará impossibilitado de executar a política legislativa do setor, como
se pretende que deva fazê-lo”. São eles:
(a) a independência política dos gestores, que “decorre da
nomeação de agentes administrativos para o exercício de mandatos a termo, o que
lhes garante estabilidade nos cargos necessários para que executem, sem
ingerência política do Executivo, a política estabelecida pelo Legislativo para
o setor
(b) a independência técnica decisional, que assegura a
atuação apolítica da agência, “em que deve predominar o emprego da
discricionariedade técnica e da negociação, sobre a discricionariedade
político-administrativa;
(c) a independência normativa, “um instituto renovador, que
já se impõe como instrumento necessário para que a regulação dos serviços
públicos se desloque dos debates político-partidários gerais para
concentrarem-se na agência”; e
(d) a independência gerencial, financeira e orçamentária, que
“completa o quadro que se precisa para garantir as condições internas de
atuação da entidade com autonomia na gestão de seus próprios meios”.
Dispõe sobre a gestão de recursos
humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências.
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(Pontos de destaque, na visão de Ana Claudia
Custódio)
Art. 4o As
Agências serão dirigidas
em regime de colegiado, por um Conselho Diretor ou Diretoria composta por Conselheiros ou
Diretores, sendo um deles o seu Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente.
Art. 5o O
Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os demais
membros do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de
reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de
especialidade dos cargos para os quais serão nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República
e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea
f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal.
Art. 8o O
ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar
qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término
do seu mandato. (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.216-37, de 2001)
§ 2o Durante o impedimento,
o ex-dirigente ficará vinculado à agência, fazendo jus a remuneração
compensatória equivalente à do cargo de direção que exerceu e aos benefícios a
ele inerentes. (Redação dada pela Medida
Provisória nº 2.216-37, de 2001)
§ 3o Aplica-se
o disposto neste artigo ao ex-dirigente exonerado a pedido, se este já tiver
cumprido pelo menos seis meses do seu mandato.
Art. 16. As Agências
Reguladoras poderão requisitar servidores e empregados de órgãos e entidades
integrantes da administração pública.(Redação dada pela Lei nº 11.292,
de 2006)
Art. 19. Mediante
lei, poderão ser criados Quadro de Pessoal Específico, destinado,
exclusivamente, à absorção de servidores públicos federais regidos pela Lei no 8.112, de
11 de dezembro de 1990, e Quadro de Pessoal em Extinção, destinado exclusivamente à absorção
de empregados de empresas públicas federais liquidadas ou em processo de
liquidação, regidos pelo regime celetista, que se encontrarem exercendo
atividades a serem absorvidas pelas Agências.
Art. 31. As Agências Reguladoras, no
exercício de sua autonomia, poderão desenvolver sistemas próprios de
administração de recursos humanos, inclusive cadastro e pagamento, sendo
obrigatória a alimentação dos sistemas de informações mantidos pelo órgão
central do Sistema de Pessoal Civil – SIPEC.
Art. 36. O caput do art. 24 da Lei no 9.472, de
16 de julho de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 24. O mandato dos membros do Conselho Diretor será de cinco
anos."(NR)
"................................................................................."
Art. 37. A aquisição de bens e a contratação de
serviços pelas Agências Reguladoras poderá se dar nas modalidades de consulta
e pregão, observado o disposto nos arts. 55 a 58 da Lei no 9.472,
de 1997, e nos termos de regulamento próprio.
Parágrafo único. O disposto no caput
não se aplica às contratações referentes a obras e serviços de engenharia,
cujos procedimentos deverão observar as normas gerais de licitação e
contratação para a Administração Pública.
Pontos
de destaque segundo alguns doutrinadores:
Quanto
a autonomia administrativa - dada a personalidade jurídica própria - as
agências reguladoras contratam e administram em seu próprio nome, contrai
obrigações e adquire direitos, mas dentro das regras de ordenamento vigente.
Quanto
ao poder normativo, não abrange o poder regulamentar de leis, suas
normatizações deverão ser operacionais, no sentido de regular sua própria
atividade por meio de normas de efeitos internos, e conceituar, interpretar ou
explicar conceitos jurídicos indeterminados contidos na lei, sem inovar na
ordem jurídica.
Operam
como instância administrativa final no litígios sobre matérias de sua
competência, isso significa que, em princípio não cabe recurso hierárquico de
suas decisões, exceto quanto ao controle de legalidade.
Os
dirigentes possuem mandato com prazo de duração determinado.
Sujeição
a controle ou tutela: como nas autarquias comuns, o controle feito pelo
Ministério é um controle finalístico (supervisão ministerial), que visa
mantê-la no estrito cumprimento de suas finalidades (tutela).
Regime
de pessoal - Lei 10.871/2004
Art. 6o O
regime jurídico dos cargos e carreiras referidos no art. 1o desta
Lei é o instituído na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, observadas as disposições desta Lei.
Bons estudos! J
Caso você entre divergências, ficarei grata se
avisar.
Ana Claudia Custódio.
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